Sou escritora do meu tempo. Quero dizer, da época em que vivo. Escritora, humana, sujeita às distrações, aos vícios e às mazelas que podem nos furtar de nós. Entregue aos prazeres do corpo e da alma, às alegrias, à vã promessa de felicidade que, sei!, jamais chegará e cujo saber orienta a busca inalcançável.
Estou nas ruas e nas redes. Facilmente encontrável e abordável. Respondo mensagens que recebo, assim que as recebo. Não faço poses, salvo para fotos. Diante do outro que me solicita sou sua igual.
Sento-me com amigos leitores para tomar café, cerveja, vinho, drinks. Água. Papear. Falar sobre vida, amores, sonhos, medos, pavores. Tenho coragem de estar frente a frente com quem me lê e perscruta os segredos que não conto para mim mesma.
Numa mesa de bar, um leitor me intimou: “Estou esperando você dar a volta por cima.” E ainda fez essa observação: “Às vezes não parece que foi você quem escreveu determinado texto. Eu te conheço de perto, sua alegria, e não me parece que tem a intensa capacidade de sofrimento que expressa naquilo que escreve.” E fez a pergunta: “Não acha que cultiva certo drama apenas para escrever? Um certo charme, um jogo de escritora…”
Acontece que eu não seria dramática na arte se também não o fosse na vida. Concordo, quase sempre estou muito alegre, o que também não impede que por dentro esteja vivendo meus dramas. Sou muito verdadeira enquanto escrevo e se o texto se apresenta com determinada carga de sofrimento é porque naquele instante da escrita, rápido, fugaz, instantâneo, mas autêntico, estava de fato mergulhada naquele estado de espírito.
A exemplo, quando escrevi “Dilúvio”, publicado no livro “Eu passarinho!”, parecia que as lágrimas não secariam jamais. Nas primeiras aulas de Psicanálise fui descobrindo coisas que estavam inconscientes e que emergiram sem eu ter me preparado para tanto. De repente me veio uma enorme sensação de desamparo que abriram todas as comportas de águas existentes e inexistentes dentro de meu ser. Meu Deus!, pensei, que farei de mim? Então escrevi sobre o que me invadiu naquele momento.
Horas depois já estava caminhando pelas ruas, sentindo o ar no rosto e pensando o quanto a vida é mágica e maravilhosa. Horas depois cantava e dançava pela casa sorrindo para as paredes. Horas depois havia colocado a roupa mais bonita, salto alto e batom vermelho e saía para um delicioso e alegre jantar.
Quem me visse diria que eu não havia sofrido minutos antes. Mas eu havia. É Clarice Lispector quem diz: “Quem é capaz de sofrer intensamente, também é capaz de intensa alegria.” Sou capaz de experimentar o céu e o inferno sem perder o brilho nos olhos.
Dizem que o drama é característico do signo de leão. Sou leonina. Dramática, excessivamente vaidosa, ferozmente orgulhosa. Apesar de que descobri recentemente: não sou uma coisa nem outra.
É que nasci em 22 de julho, cúspide de câncer e leão. Parece que posso ser as duas coisas ou nenhuma delas. Tudo ou nada. Vi uma explicação assim para definir o que é essa tal de cúspide: imagina uma pizza cortada em pedaços. Quem nasce na cúspide não é nem um pedaço nem outro, está ali no corte entre um e outro.”
Estou no abismo. Sou abismal. E nem posso dizer que a culpa é do meu signo, porque não sei qual deles.
Para esse leitor que quis saber quando darei a volta por cima, sem que eu saiba exatamente o que isso significa: Bem, não sei.
Escrevo, escrevo e escrevo. E se isso não é dar a volta por cima, que pelo menos seja visto como uma fracassada tentativa.