Quando alguém me dizia que sou bonita ou linda meu primeiro impulso sempre fora no sentido de sutilmente discordar: Ah, são seus olhos! – dizia sorrindo.
É que nunca me achei bonita ou linda. E não! Não tenho nenhum problema de baixa autoestima. Gosto de mim. Jamais quis alterar algo que vem de mim para mim ao contemplar o espelho. Na verdade, tenho a impressão de que só poderia ser fisicamente como sou. Nada deveria ser diferente.
Digo com muita sinceridade, se me fosse dada a chance de mudar algum aspecto físico não mudaria absolutamente nada. É como se o exterior apenas refletisse meu interior.
O que mudou é que agora já não recuso mais os elogios, pois aprendi que não devemos negar a alguém o direito de nos admirar, mesmo que não concordemos, pois agir dessa forma é como podar a alegria do outro de nos oferecer algo. É privá-lo da satisfação de se sentir bom e generoso por doar, ainda que seja elogio.
Diante de alguém que diz que sou bonita ou linda, agora respondo: Obrigada! Recebo e agradeço. Retribuo com um sorriso. E só.
Mas se não me acho bonita, tampouco me acho feia. O que sou? Sou.
O psicanalista Ivan Capelatto deixa muito claro que a autoestima está relacionada ao sentimento ético que nutrimos por nós mesmos e não ao sentimento estético. Algo no sentido da potência que vem da forma natural de ser.
“Quem tem autoestima não tem orelha grande, cabelo feio, nariz grande, celulite, seio pequeno. Tem vida. E tem a vida do outro. Cuida de si e cuida do outro”, acrescenta Capelatto, que também diz:
“O belo é eu suportar minha feiura.” Suportar o que é naturalmente nosso.
Imagina o quanto deve ser difícil para alguém achar que seu valor está na estética corporal e vê-la se definhar pelos quilos a menos ou alterar pelos quilos a mais ou pela própria velhice contra a qual não podemos lutar sem que pareçamos um pouco ridículos e antinaturais.
Dei para dizer que imagino ter “uma coisa”, algo que pode atrair, chamar a atenção, interessar. Essa coisa não tem nome. Ela fica no ar, no invisível. Essa coisa não tem corpo, está além do corpo e a ele sobrevive. Tanto é que no livro “O amante”, Marguerite Duras narra um episódio em que um homem se sente seduzido por ela, e lhe diz achá-la mais atraente na velhice do que na mocidade:
“Eu a conheço desde sempre. Todo mundo diz que você era bonita quando era jovem, eu vim para lhe dizer que, para mim, é mais bonita agora do que quando era jovem, eu gostava menos de seu rosto de moça do que esse que você tem agora, devastado.”
O cirurgião plástico Ivo Pitanguy afirma que há muito mais coisas numa mulher que podem chamar a atenção. Não nega que a beleza atrai, mas ela não sustenta a si própria. Ele, que passou a vida a tentar tornar as pessoas mais belas dentro do conceito que elas mesmas tinham de beleza, declarou com aquele olhar de quem enxerga além do que se vê:
“O poder não tem corpo”.
No conto “Obsessão”, de Clarice Lispector, a personagem Cristina abandona o marido e os pais ao ficar hipnotizada por Daniel. Seu fascínio por ele é expresso nessas falas:
“Do primeiro Daniel nada guardei, senão a marca.”
“É que ele me dominava de tal forma que, se assim posso dizer, quase me impedia de vê-lo.”
“Eu assim apenas possuía suas palavras, a lembrança de sua alma, tudo o que não era humano em Daniel.”
Cristina não conseguia sequer rememorar o rosto daquele por quem teve a coragem de abandonar tudo. Após deixá-lo e narrar a história entre os dois mal conseguia se lembrar dos traços físicos de quem tanto lhe encantou.
Um amigo, que me confessou ficar ansioso sempre que marcamos de nos encontrar, uma vez que adora conversar comigo por horas, diz: “Corpinho e rostinho bonitinhos tem aos montes por aí, mas alguém com quem vale a pena eu sair de casa e me dispor a bater um papo é muito raro.”
Num diálogo com um homem que disse ter gostado de mim, pelo motivo de eu ser “sedutora”, termo que usou para não se utilizar de outro, “gostosa”, confessado depois, questionei-lhe o que uma mulher tem que ter para que ele considere “gostosa”. A resposta não teve nada a ver com silhueta, curvas ou músculos. Ele disse:
“O jeito de ser e de fazer”.
Dizemos que uma comida é gostosa, pegamos a comida, levamos à boca, provamos, degustamos algo físico, material, com sabor.
E a mulher “gostosa”, para ele, é aquela que seduz pelo jeito de ser e de fazer. Onde está o corpo? Ele desaparece por completo.
O médico Ivo Pitanguy era um homem sensível, inteligente e experiente. Passou a vida realizando cirurgias plásticas em mulheres que super dimensionavam o físico. E ele deu um recado que, de certo modo, contraria um resultado que porventura algumas mulheres poderiam esperar de seu trabalho, o de que elas tivessem os seus poderes aumentados por um silicone ou pela retirada das gordurinhas.
Portanto, fundamental mesmo é que todos saibam que “o poder não tem corpo” e “mulher gostosa” é aquela que é.