De repente aquela entrega do corpo. Um incômodo aqui, outro ali. A moleza, o mal-estar. Não relutei. Aproveitei-me descaradamente do que a natureza me impunha: quietude.
Como o corpo nos humilha quando quer! Como a dor física nos subjuga e lembra-nos de nossa fragilidade! A impotência, enfim.
Que fazer? Descansar, medicar, deixar passar, curar-se. Morrer para renascer com mais humildade, húmus que somos. Ler “A negação da morte”, de Ernest Becker, um dos livros mais incríveis que conheço. Saber que a morte nos ronda e espreita mesmo com a tentativa de nos afastarmos dela sob o manto dos disfarces.
Obedeço ao corpo. Se ele está com sede, bebo água. Se está com fome, alimento-o. Se quer sexo, satisfaço-o. Se é sono, durmo como quem morre. O corpo não pede, exige. Não negocia, impõe-se com a força do que é vivo. Inútil tentar trapaceá-lo. Inútil negar que ele não nos manda e comanda.
Então deitei, aquietei, entreguei-me às dores, à febre, aos calafrios. Aproveitei-me para chorar os males conhecidos e os de que nem me lembro. O corpo irrigado, encharcado ecoava todas as águas que o inundavam. Não reter, não represar, não resistir. Purificar. Permiti-lo, permitir-se. O corpo informa-nos com sua sabedoria primitiva e inata.
Sou corpo. A ele, condescendência, tributo, reverência.