Menino do rio

Ele entrou na sala bonito, alto, esguio e bem trajado. Seu porte jamais seria imperceptível mesmo em face das mais distraídas. Eu o vi logo que despontou e não só vi como passei a bolar um plano para aproximar-me.

Eram muitas as mulheres, algumas bem mais bonitas, o que em nada me intimidou, antes disparou meu senso de disputa. Uma disputa silenciosa, mas que prenunciava o gosto da vitória. Ele se renderia. Como? Ainda não sabia, mas sabia.

Sentava na primeira fila. A matéria que ministrava não só era a que mais conhecia, como também a que mais gostava. Eu me faria notar. Caprichava na aparência, maquiava levemente o rosto, abusava das roupas pretas, cruzava as pernas, jogava os cabelos. Olhava-o, desviava o olhar. E quando feitas as perguntas sobre o conteúdo da aula, era das únicas que sabia responder. Ele se maravilhava a ponto de me dizer mais tarde: “Você é a melhor aluna que tive durante toda minha vida de professor.”

Mas o plano se estendia além dos limites das paredes do colégio. Ele precisava se lembrar de mim noutro lugar que não fosse aquele recinto formal. Precisaria ter tempo e espaço para pensar.

Foi aí que comecei a mandar mensagens para sanar dúvidas que não tinha a respeito da aula. Numa dessas, ele respondeu num tom que indicava a abertura necessária: “Só responderei se ganhar bombons”. É claro que levei os bombons no outro dia. E é claro que nossa relação passou a ser um doce.

Aninha pra cá, Aninha pra lá, prof. pr’acolá. Podia ver no rosto de algumas colegas o desprezo e a irritação. Uma delas chegou a insinuar: “Nossa! Mas ele só fala o seu nome durante as aulas.” Fingi de desentendida e disse que o motivo era porque sabia bastante a matéria.

Dava-lhe carona, almoçávamos juntos, ficávamos no hall do hotel estudando e discutindo assuntos. Assim que o avião pousava, ele dizia: “Cheguei!” e me abraçava jogando-me ao alto para compensar a diferença de altura.

Em nossos passeios, cantávamos, ríamos, nos divertíamos feito duas crianças que brincam ou dois adolescentes que muito se querem bem.

E eis que a temporada das aulas chegou ao fim, ele retornou para a cidade onde morava e um oceano inteiro passou a nos separar.

Certo dia me comunicou que me faria uma visita, pois precisava resolver questões profissionais que ficaram pendentes. Fui buscá-lo no aeroporto, não com o entusiasmo de antes, levei-o para almoçar, depois ao tribunal. Ao término, quis ir à minha casa sob o argumento de que precisava descansar. O voo de volta estava marcado para a tarde do mesmo dia.

Mas o que ele fez foi tentar uma aproximação maior. Não me lembro mais como me desviei do seu chamado. Apenas me esquivei. Enquanto descansava na minha cama, eu assistia no sofá da sala. Quando acordou pediu que o levasse ao aeroporto.

Despedimo-nos e, desta vez, o movimento de me abraçar levantando-me para o alto foi muito mais leve e sutil. Estava dez quilos mais magra que da penúltima vez em que nos vimos.

Pedi que me avisasse quando chegasse ao destino. Assim o fez e, antes de desligar o telefone, pediu permissão para me fazer uma pergunta. Consenti.

“Aninha, por que você não quis nada comigo?”

Desconversei. Devo ter falado que não estava no melhor dos meus dias.

Ele sentenciou: “Deve ter sido efeito dos seus quilos a menos. Eu preferia muito mais a gordinha.”

Na hora, sorrimos. Depois, ele simplesmente sumiu.

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