A frase que apareceu diante dos meus olhos: A psicanálise se ocupa do sujeito que a ciência deixa de lado. Não havia informações sobre o autor. Li mais uma vez em voz alta. Soou-me bonito!, não pela sonoridade do dito, mas pelo significado que dele ecoa.
No entanto, neste ponto específico, preciso defender a ciência. Fazer o que se chama mea culpa em seu nome. A medicina bem que tentou se ocupar do sujeito que, mais tarde, passou às mãos da Psicanálise, contudo viu-se impotente diante de casos complexos cuja falta de diagnóstico clínico, físico, orgânico ou biológico deixava os cientistas atordoados, de braços atados e de queixos caídos.
A ciência não os deixou de lado por livre e espontânea vontade, mas após admitir, a despeito de ferir o próprio orgulho, que não tinha meios suficientes e seguros para desvendá-los. As pacientes histéricas abalaram as estruturas do pensamento médico-científico racional e positivista de fins do século XIX, pois não havia causa aparente para os sintomas que apresentavam.
À maneira de um texto em que Clarice Lispector diz: Assim, repito, quando tivermos feito de tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho…o de mais nada fazer, parece que aos cientistas só restava cruzar os braços e nada mais fazer diante de doenças nervosas funcionais que não tinham causa biológica identificada.
Mas há os que não desistem do amor, mesmo após inúmeras tentativas fracassadas. E há os que não desistem das descobertas, ainda que muitos obstáculos se interponham no caminho ou quando o assunto a ser desvendado intrigue e desanime a maioria.
O médico neurologista Sigmund Freud parecia imbuído da certeza de que algo oculto poderia ser revelado, se fosse capaz de persistir; parte para a França a fim de presenciar as aulas em que Charcot tratava pacientes histéricas, por meio da hipnose, no Hospital da Salpêtrière.
O método hipnótico as levava a acessar conteúdos traumáticos do inconsciente e, por intermédio de sugestão do médico, os efeitos dos sintomas eram amenizados, de forma que as doentes apresentavam sinais de melhora. Entretanto, os sintomas retornavam. Uma vez que a hipnose conduzia as pacientes à inconsciência, ao saírem do transe as memórias patógenas fugiam à consciência, e voltavam ao porão.
Ao retornar da França para Viena e se unir com Joseph Breuer, Freud teve acesso ao método catártico, em que a paciente expunha os fatos traumáticos após acessar a memória e descarregar os conteúdos nela registrados por meio da fala consciente. Havia o estabelecimento de relação entre o médico e a pessoa submetida a tratamento, de modo que aquele utilizava-se da sugestionabilidade para influenciá-la e direcioná-la.
Freud percebeu a importância da escuta atenta e livre de julgamentos, de escutar o paciente pacientemente, e, ao criar a Psicanálise, estabeleceu como regra fundamental a associação livre para o analisando e a atenção flutuante para o psicanalista.
Freud chegou à conclusão que a causa da histeria eram os conflitos psíquicos, frutos de repressões porque passavam as pacientes e que as levavam ao adoecimento. Elas precisavam se expressar livremente, por meio da fala, sem objeções, censuras ou julgamentos. E o psicanalista deveria ouvi-las atentamente, sem interrupções e eximindo-se de priorizar um ou outro ponto específico da fala.
É sabido que a histeria acometia muito mais mulheres que homens, a ponto de, antes de diagnosticada sua causa psicológica, ser tachada como doença do aparelho reprodutor feminino. A própria etimologia da palavra é derivada do grego hystera, que significa útero. Acreditava-se que a patologia se instalava nos corpos de mulheres que não mantinham relações sexuais, de forma que o útero se deslocava pelo corpo produzindo os sintomas.
Se a histeria tem por causa a existência de conflitos psíquicos decorrentes de repressões, não é difícil compreender porque as mulheres foram as mais atingidas, uma vez que sempre tiveram de lidar com inúmeras obrigações e proibições que as mantinham presas, insatisfeitas e silenciadas. Elas precisavam exteriorizar o que as oprimiam, expulsar conteúdos doentios, dar o grito de desabafo. E, o que era mais importante, necessitava de quem as escutasse com o corpo todo e a alma inteira.
Entre os sintomas físicos manifestados pelas pacientes histéricas destacavam a paralisia, a cegueira e as crises nervosas. “Os paralíticos começaram a andar, os cegos passaram a enxergar e os endemoniados tiveram os seus demônios expelidos.”
Como não lembrar a samaritana, a mulher que sangrava há doze anos, a adúltera e o paralítico que não se dirigia às águas sagradas de um poço por não ter quem o carregasse? Não estariam também essas pessoas cheias de “ideias parasitas não conscientes no espírito do sujeito” de que falou Nasio? E Jesus as curava por meio do poder da escuta paciente, do não julgamento e da desconsideração de um passado de culpas e remorsos.
Quão intenso deveria ser o conflito psíquico vivido pela samaritana que já estava com o sexto homem numa época em que as mulheres não podiam se dar a essas liberdades! Diante de Jesus, ela se mostra: “Não tenho marido”. A verdade revelada frente a quem oferece-lhe água viva capaz de limpar toda a lama e jogar para longe os rejeitos de um passado acusador.
“Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra.” Jesus, muito antes de Freud, chamando a atenção para não julgar quem quer seja.
Que sabemos do outro, de suas vivências, de suas dores e de seus traumas? Quem sabe os demônios que cada um carrega dentro de si?, a exemplo da batalha interior experimentada por Paulo, que diz: Porque não faço o bem que eu quero, mas o mal que não quero, esse faço.
Creio que a psicanálise conquistará cada vez mais espaço à medida que compreendermos a importância de praticar ensinamentos tão antigos e essenciais, como os legados por Cristo, e que auxiliem pessoas a lidar com seus parasitas inconscientes. Para isso, precisamos abandonar as pedras, afastar dos lábios os julgamentos e acionar ouvidos do coração que permaneçam atentos para que a escuta seja paciente, verdadeira e transformadora.