Abri as cortinas, o ar gelado invadiu a sala e o meu corpo, a chuva caía fina. Quatro e meia da manhã, o dia ainda escuro, silencioso como todos os domingos. Preparei o café ao tempo em que me vinham lembranças da época em que, neste mesmo horário, era despertada pelo meu avô para estudar durante a semana de provas. Ele fazia o melhor café do mundo, forte, adoçado na medida certa, cujo sabor nunca mais provei. Levava a xícara até mim: de mão para mão.
Mas nessa manhã sou eu mesma quem providencia a bebida quente que me aquece nas primeiras horas. E pensar no meu avô acalenta este coração que nada mais espera se não vier de graça como meus avós tudo me davam sem esperar algo em troca. Nem mesmo o amor que me direcionavam exigia retorno, crentes de que assim devia ser para preencher as faltas. O que me salvou e me calejou. Cresci numa redoma avoenga de amor e de proteção, e isso explica o resto. Mas eles se foram sem nunca imaginar que alguém quebraria essa barreira e me acertaria em cheio. Nada é tão seguro quanto se pensa. Um único ato e pouco resta.
Enquanto tomava o café lia apaixonadamente um livro que já me fizera companhia por horas no dia anterior. Às 5:30, um som alerta para o recebimento de mensagem via celular. Pauso a leitura para checá-la: “Acordei de um sonho. Lembrei-me de você.” Dois minutos após: “Na verdade, só me lembro de você.”
Apaguei.
É um pretendente que não desiste há pelo menos cinco anos. Nem sei se essa palavra “pretendente” ainda é usada para remeter àquele que deseja, quer ou almeja algo. Neste caso, eu. Soou-me tão fora de moda que até pareço viver noutros tempos. Tempos em que ser desejada por alguém me ouriçava toda. Ainda mais por um homem jovem, alto, bonito e forte como ele.
Não estou morta, se querem saber. Apenas cansada. E egoísta também, se preferirem nomear dessa forma. Dei-me tanto e inteiramente que chegou o dia de eu ser só de mim. Impacienta-me todo esse rodeio que um homem faz há séculos, a despeito de minha intuição e inteligência, para depois enunciar a grande e surpreendente proposta que conheço de cor. Ai que preguiça!
Deixei o emissor da mensagem sem resposta. Assim permanecerá até a hora em que Deus quiser.
Além do mais, estou lhe fazendo um grande favor, pois à medida que não me toca, mais desejo tem dentro de si. E o que é melhor, mais sonhos.
“A vida só é ruim para quem não sabe esperar” – disseram-me certa vez e, mesmo assim, avanço.
Quanto ao sonhador, que aguarde! Para quem esperou cinco anos não faz mal que espere a vida inteira.