Chovia lá fora e em seus olhos. Espiou pela janela e sentiu o dia sombrio, triste, pesaroso como para igualar-se à tempestade que a desconcertava naquela manhã. E era sábado, meu Deus! Bem podia estar alegre.
A casa vazia, o silêncio interrompido pela chuva. A respiração ofegante. Sentou-se na cama, apoiou os cotovelos nos joelhos e com as duas mãos tapou o rosto devastado. Levantou-se, fitou a imagem refletida no espelho. Envelhecera, as feições davam mostras de cansaço, curvara o corpo como quem carrega mais que o próprio peso nas costas. Os anos transformaram tanto suas certezas que mal sabia de onde tirara a coragem que a fez decidir. E a força, a firmeza com que sentenciou: “Agora é a hora”.
Ergueu-se num rompante, endireitou os ombros, levantou o rosto, pisou firme no chão. Não sabia por onde começar a arrumar suas coisas ou seria melhor desistir e recuar? Mas o pensamento de voltar atrás não mais lhe ocupava. Passara muito tempo meditando, juntando os motivos e catando os pedaços de sua alma destroçada a fim de libertar-se do desconforto que há tempos tomara-lhe o ser.
Se tanto relutara era para ser fiel a si mesma até o último instante. Enquanto o amor e o desejo lhe dominavam havia porque lutar e continuar. Uma força a permitia levantar a cada manhã sob promessa de recomeço. Mas tudo se repetia a ponto de lhe vir o pensamento de que se aqueles momentos se eternizassem viveria atormentada. Falava e falava, mas padecia de socorro. Alguém a escutava, mas só tinha por resposta o esboço de um sorriso enquanto virava as costas.
Os pensamentos desordenados tentavam lhe tomar e, como para fazê-la desistir, só lhe vinham aqueles raros instantes em que se percebia sorrindo em fugaz alegria. Afastava-os de imediato, pois bem sabe que quem padece no deserto se excita com as poucas gotas de água que surgem e é capaz de esquecer os muitos dias de plena secura. Não se deixaria enganar nem sucumbiria ao medo de dar um passo rumo ao novo. Mas o amor tentava travar-lhe as pernas para fazê-la mais tempo prisioneira. Ah! Como se amar só bastasse – pensou.
O gosto do sal intensificava na boca enquanto descia as escadas, os olhos encharcados nas ruas da cidade molhada em direção a ninguém, a garganta cheia de ar; no peito, o grito de dor contido. Ainda poderia regressar ao lugar de costume, ao ar conhecido da casa em que passara dias e noites sedenta. Esperar um pouco mais, não precipitar em impulsos, pensar demoradamente. Mas o clamor da vida a rebentar-lhe as veias do corpo todo. Como sufocar anseios íntimos em nome de tanta incerteza? Avidez de moça não queda muda ante o tempo que tudo quer devorar.
Uma estrada se faria com o avançar dos passos. Um destino de mulher sozinha, à margem. Porque na solidão a luz resplandece sem que faíscas queimem a ninguém. No espaço vazio move-se livremente distante do perigo de perturbar os que dormem.
Os olhos hão de secar como ocorria na época de menina em que depois de brincar um bom tempo com os pés descalços nas enxurradas, de uma hora para outra, era obrigada a sair correndo, pois o sol esquentara demais as pedras onde pisava. Também porque no fundo de si sabe que as estrelas nunca perdem o brilho depois de chover dias e dias.
É com essa sua sabedoria de cega que passeia pela vida, ora fechando, outras vezes abrindo caminhos.