Na crônica Amor Imorredouro, Clarice Lispector afirma, sem rodeios, que o maior interesse das mulheres são os homens. Antes que alguma mulher previsível o queira negar dizendo-lhe que não são os homens, mas os filhos, ela adianta:
Isto é diferente. Filhos são, como se diz, a nossa carne e o nosso sangue, e nem se chama de interesse. É outra coisa. É tão outra coisa que qualquer criança é como se fosse nossa carne e nosso sangue.
No entanto, adverte às mulheres que elas não precisam se sentir humilhadas ao admitir a importância dos homens em suas vidas, pois se perguntarmos ao maior técnico do mundo em engenharia eletrônica o que é que mais interessa ao homem, a resposta íntima, imediata e franca, será: a mulher.
Ao dizer isso, sabe que toca num assunto delicado, num ponto nevrálgico e declara: Como o homem nos dói. E como a mulher dói no homem.
Essa dor é sentida com profundidade pela personagem do conto O búfalo, mulher que acaba de ser desprezada pelo homem que ama e, diante disso, é tomada por intensa vontade de odiar, já que o amor ofertado não encontrou correspondência.
Nem mesmo a chegada da primavera com suas flores foi capaz de alterar o estado em que se encontrava, cheia da violência que costuma acompanhar uma fêmea desprezada e rejeitada pelo sujeito de seu amor: um homem cujo crime único era o de não amá-la.
Quantas guerras declaradas entre os sexos movidas pelo desejo de amor, o qual após ser rejeitado, se transforma em ódio, não a um, mas a todos os pertencentes da mesma raça?
A mulher do conto O búfalo adoece quando sente na pele a dor do desprezo. Tudo o que desejava era transferir sua fúria a alguém. Não queria outra vez o amor, porque lhe poderia pesar muito e sentia não ter mais condições de suportar tanto sofrimento.
Dirigiu-se ao zoológico à procura de um bicho para odiar, uma vez que não podia odiar os homens, apenas amá-los apesar de tudo. Odiá-los é tentar esconder a dor de não ser amada por eles. O ódio que sentia era amor às avessas, inconfessável e inadmissível para si mesma.
“Eu te odeio”, disse ela para um homem cujo único crime era o de não amá-la.
Onde estava o seu par no mundo? – perguntava a Deus. E a resposta vinha em forma de grito das outras mulheres que se divertiam com os namorados, enquanto sentava sozinha no banco da roda gigante. Gritos ofensivos para quem estava só, não por opção, mas por não encontrar quem a amasse.
O apelo ao ódio era fuga para não morrer esmagada pelo amor direcionado a quem dele não precisava, nem o queria.
Ninguém a notava ou se interessava por ela, não tinha mais esperança e seus olhos se enchiam de lágrimas que ficavam presas na escuridão do peito doído, dilacerado.
Dentre todos os animais com os quais se deparou, decidiu odiar um búfalo, olhar diretamente em seus olhos e entregar-lhe a violência contida.
Eu te amo, disse ela então com ódio para o homem cujo grande crime impunível era o de não querê-la.
Quando achou que poderia desferir o ódio mortal que sentia em direção ao bicho percebeu que, na verdade, estava amando-o.
Se não conseguiu a glória de ser vista pelos homens, que pelo menos o búfalo olhasse para o seu olhar ferido, o qual implorava que, ao menos ele, imerso na inconsciência, a amasse.
Quem saberá se o búfalo a amou? Ainda assim, talvez os animais sejam uma triste saída quando não se tem o amor dos homens.